Em maio deste ano, a equipe da Revista Funerária em Foco visitou a Feira Funerária do Norte e Nordeste, na cidade de Fortaleza, Ceará, onde tivemos a felicidade de conhecer e entrevistar uma personagem importante na história de sucesso do setor funerário da capital cearense. Elegante e muito bem humorada, a empresária, mãe e esposa Iracema Sales Nobre é também presença constante nos principais eventos empresarias da cidade.
Iracema nos contou um pouco sobre sua trajetória de sucesso na direção do grupo Nobre e também na fundação do Sefec (Sindicato das Empresas Funerárias do Estado do Ceará). História que construiu ao lado da sua família e que confunde-se com a própria história do setor funerário cearense. Tivemos a oportunidade de conhecer uma parte da estrutura da sua empresa, que aliás, é admirável, com uma equipe bem treinada, capela de velório moderna e muita preocupação em atender bem seus clientes.
Aos poucos antigas tradições administrativas do setor funerário vão dando espaço a novas gestões, novas gerações, menos familiares e cada vez mais contando com a presença das mulheres. Estamos diante de uma grande empresária do setor funerário. Como você entrou para o setor?
Isso foi ironia do destino. Quando terminei a escola técnica em Química Industrial, fiquei aguardando a oportunidade de algum estágio. Mas começou a demorar muito, nenhuma oportunidade aparecia. Então meu esposo, que era meu noivo na época, trabalhava em um hotel como office boy, e conheceu um hóspede que veio de São Paulo para montar uma empresa funerária aqui na Capital. Este senhor precisava contratar uma secretária e pediu indicação. De imediato meu noivo me indicou.
No mesmo dia ele foi até minha casa e disse “Iracema, arrumei um emprego pra você, só que é para trabalhar em funerária”. Na hora fiquei um pouco assustada, mas ele me explicou que era para o trabalho administrativo, que precisava de alguém que soubesse datilografia, que em 1973, quando tudo isso aconteceu, era um grande diferencial. Então tomei coragem, fiz a entrevista e fui contratada.
Comecei como secretária, um ano depois nós nos casamos. Passou mais um ano e o Raimundo, já meu marido, continuava trabalhando no hotel, só que quando ele saia do serviço ele ia até a funerária me ajudar. Fazia o que precisasse, ia ao banco, buscava algum documento, coisas assim. Dizia ao Dr. Mauro, meu chefe, que estava ali, se precisasse de algo, podia contar com ele. Por fim, um tempo depois, acabou sendo contratado para trabalhar na funerária.
Olha que curioso e interessante. Diferente do que acontece normalmente, foi você que levou seu marido para o setor funerário?
Pois é, foi bem isso, levei meu marido, Raimundo Acrísio Pedrosa Nobre, hoje mais conhecido como Raimundinho, para trabalhar comigo na funerária. Aliás, fiquei “Nobre” depois que me casei (risos). Ele começou como cobrador, depois passou a ser atendente, fazia na verdade os dois serviços, no plantão funerário à noite e efetuando cobranças durante o dia. Com o tempo chegamos a cargos melhores, eu assumindo a gerência administrativa e ele gerente executivo. Meu patrão achava estranho eu ter um cargo melhor que o do Raimundo, então tratava de também oferecer oportunidades para ele, mas claro, levando em conta também o potencial dele, que era muito esforçado e competente.
A visão que se tem do nordestino ser machão, deixar a mulher em casa trabalhando, com vocês foi diferente, buscaram crescer juntos profissionalmente?
Olha, isso depende muito da mulher. A gente tem que mostrar pra eles que nós também queremos o nosso espaço. Temos que mostrar que queremos brilhar, mas sem apagar a luz deles. Não dizem que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher? É o que eu penso e foi assim que sempre fizemos. E desta forma permanecemos na empresa por mais seis anos.
Até que chegou um tempo que quisemos sair, porque tínhamos um sonho antigo de ter o nosso próprio negócio, mas não no ramo funerário. Na época já tínhamos dois filhos. Eu sempre fui uma moça prendada, com vários cursos, de datilografia, corte costura, coisas assim. Eu estava de licença maternidade do meu segundo filho e, depois de muito pensar, resolvemos então sair e montar uma empresa de confecção ou um mercadinho, ainda iríamos decidir.
Mas com uma semana que havíamos saído do nosso antigo emprego, uma pessoa que tinha uma funerária ficou sabendo e nos convidou para trabalhar com ele. Chamou na verdade o Raimundinho, que era bem mais conhecido na cidade do que eu, porque ele fazia os atendimentos, tinha contato com muita gente. Esta pessoa que fez o convite não era do ramo, era advogado, e tinha colocado alguém para tocar o negócio dele, mas que não estava correspondendo. A empresa chamava Alvorada.
Você tentou fugir do ramo, procurou partir para outra área, mas quis o destino que você retornasse ao setor onde tudo começou?
Pois é, quando o Raimundinho chegou em casa e disse que iríamos voltar a trabalhar no setor funerário eu fui contra, disse que não queria mais saber de funerária. E outra, eu não queria trair o meu antigo patrão. Foi onde eu aprendi tudo, vendia até plano funerário nos finais de semana para ganhar mais dinheiro e não sai de lá para entrar no mercado dele. Eu ficaria com um peso muito grande na consciência.
Mas tem coisas que é o destino, como você falou, parece que estava escrito e foi acontecendo, este advogado chamou o Raimundinho para ser sócio dele. Mas só aceitaria se eu fosse junto, porque eu já sabia tudo da parte administrativa. Então nós vendemos nosso carro e compramos uma Belina já adaptada para o serviço funerário e entramos de sociedade com ele.
E a primeira empresa que você trabalhou, ainda existe?
Sim, é a Paz Eterna, ainda existe. Tem plano, funerária e sou amigo dos donos atuais, de toda a família. E a empresa que nós entramos de sociedade, em 1979, é a empresa que temos até hoje. Ficamos como sócios por apenas um ano, depois compramos a parte do advogado. E lá nós fazíamos de tudo, eu cuidava da parte administrativa, cobrança, vendas de planos, e o Raimundo da parte operacional, preparação dos corpos e tudo mais que precisava para os velórios.
Em 1979, vocês já estavam atuando também na venda de planos?
Vendíamos, mas demorou muito pra pegar. A grande dificuldade era encontrar vendedores dispostos a vender o plano funerário. Ninguém queria sair na rua, bater de porta em porta, porque também era difícil convencer as pessoas comprarem. Mas a medida que as pessoas começaram a ver os atendimentos funerários, ai começaram a se interessar pelo plano. Porque aquelas pessoas mais simples, mais pobres, que normalmente tinham que pedir ajuda na prefeitura, ou fazer vaquinha, pedir para os vizinhos ajudarem a pagar um velório, estavam podendo oferecer um funeral digno para os seus familiares sem pedir nada pra ninguém, e ficavam orgulhosas disto.
Então o bom e velho “boca a boca” começou a funcionar?
Sim, as pessoas chegavam no velório e comentavam: “Nossa, que velório bonito, que urna bonita. O Fulana, como você conseguiu pagar este velório?” E a nossa associada falava que não tinha pagado nada, era tudo feito pelo plano funeral. Ou seja, o bom atendimento, a ética, a transparência, a humildade fizeram a diferença. Todos os clientes, independente de classe social, eram tratados da mesma forma.
E como era a concorrência nessa época?
Olha, existia uma concorrência cruel. Nessa época tinha muita briga em hospital. Se a família não tinha plano, a briga era pelo falecido. Até os enfermeiros entravam na briga. Tinha também um pessoal que nós chamávamos de “jacaré”, que não era nem do hospital, nem da funerária, mas ficava nas portas dos hospitais abordando as famílias. Quando via alguém saindo do hospital chorando, já segurava a família e ligava para a funerária. Muitas vezes acompanhava a família até a funerária para ver quanto seria o serviço, pra poder cobrar a comissão. No começo a comissão era de 10%, mas com o fortalecimento dos planos, tinha funerária que já estava pagando 30% de comissão, para motivar os jacarés tirarem as famílias do atendimento do plano.
Os planos funerários atrapalharam essa estrutura de comissões que existiam?
Sim, mas graças a Deus, o plano funeral foi a melhor coisa que aconteceu para o setor funerário. Humanizou e veio trazer grandes benefícios. Até porque teve um tempo que o INSS de Fortaleza dava uma ajuda de dois salários mínimos, logo quando eu comecei no setor, que dava pra fazer o funeral, comprar uma coroa e pagar um taxi pra família acompanhar, mas depois começou a diminuir o valor. Haviam outras instituições que também ajudavam, mas com o tempo tudo isso foi acabando, e os planos foram se fortalecendo, porque as pessoas sentiram a necessidade de se precaver de alguma forma.
Existe em Fortaleza alguma interferência da prefeitura no setor funerário? Como as funerárias se organizam?
Quanto a interferência da prefeitura, não existe, é livre concorrência. Existem hoje aproximadamente 80 funerárias em Fortaleza. Quem tem plano, é atendido pelo seu plano, quem não tem, escolhe a funerária da sua preferência. A concorrência de hoje é entre os planos, pois todas as funerárias perceberam que plano funeral é um bom negócio, e hoje todas tem seu plano. E o que ajudou a organizar o setor funerário ainda mais, pois até mesmo entre os planos começou a ter briga, foi o advento do Sefec.
E como que o Sefec contribuiu para a organização do setor funerário?
Houve um tempo que a briga entre os planos estava feia. Meu vendedor passava na casa de um cliente e fazia o plano. No outro dia, passava o vendedor de outra empresa e tomava o carnê, carteirinha, contrato e rasgava tudo e falava assim pro cliente: “Você vai ficar é na minha empresa, porque na minha você vai entrar sem carência. O outro plano colocou oito pessoas, eu vou colocar dez.” E começaram a prostituir o mercado. Então o Sindicato foi outra benção que veio para o nosso setor. Nós começamos a trabalhar com fiscalização, com ética e profissionalismo e mostrar que certos tipos de atitudes estavam prejudicando todo o setor, estávamos perdendo autonomia.
E você sempre esteve à frente deste sindicato? Desde quando ele surgiu você está envolvida na organização?
Antes da formação do sindicato, teve formação de associações. Tiveram duas associações, mas não deu certo. Eram os homens que estavam à frente destas associações. Não sei exatamente o motivo de não ter dado certo, talvez a mulher tenha a cabeça mais fria, é mais maleável. Já o homem é mais imediatista, fica com raiva com mais facilidade. E ai surgiu uma ideia de montar um sindicato organizado pelas mulheres. Fizemos então um almoço para as empresárias do setor, pra gente se conhecer, porque ninguém conhecia ninguém, cada uma ficava na sua empresa, com seus problemas e não conhecia a outra. E nesta primeira reunião foi escolhida a D. Gerdânia, do grupo Jerusalém, como presidente provisória para um primeiro mandato de um ano, em 2004. E no segundo ano eu fui escolhida como presidente e permaneci por dois mandatos de três anos. Minha meta, como presidente, era unir o setor e mudar a visão do diretor funerário. Eu sempre mostrei para todos que nós não precisávamos ser concorrentes, mas poderíamos e deveríamos ser parceiros. Cada um com seu negócio, com seu diferencial, sem necessidade de atropelar ninguém.
E todas as funerárias são filiadas ao Sindicato?
Não, o que lamento muito, pois falta um pouco mais de visão para algumas pessoas. Graças ao sindicato, hoje somos vistos com outros olhos pela sociedade. Antes, éramos conhecidos só como papa defunto. Eu mesma tinha vergonha de dizer que trabalhava em funerária. Hoje não, encho o peito e digo: sou diretora funerária, e cada dia sou mais orgulhosa por isso. Como presidente levei o pessoal pra fora, para feiras tanto no Brasil, como fora do País, nos Estados Unidos, na Europa. Procurei abrir a cabeça dos empresários, ver o mundo lá fora.
Podemos dizer então que, no Ceará, quem manda no setor funerário são as mulheres?
(Risos) É verdade, podemos dizer isso sim. Teve uma feira que fomos visitar em Belo Horizonte, que na minha gestão só tinham mulheres. Ficamos conhecidas como “As meninas do Ceará”, foi muito engraçado. Mas o mais importante é que ainda hoje tenho um bom relacionamento com todos e que o exemplo de que a união é o melhor caminho ficou. Tanto que estão acontecendo coisas lindas no setor, como por exemplo a união de pequenas empresas para construir cemitério. São empresas que sozinhas iriam demorar muito para ter esta estrutura, mas uniram-se e conseguiram concretizar seus projetos. Por isso que nosso lema é “Juntos somos fortes”.
Finalizando, na sua vida pessoal, a mãe Iracema, que criou os filhos dentro da funerária, em meio aos caixões, carros funerários, e tudo mais. Teria alguma curiosidade para nos contar?
Vou te contar um detalhe engraçado. Quando começamos, era tudo muito difícil. Tivemos que trabalhar muito. Não sei se na sua cidade é utilizada a mortalha, que é um tipo de manto para vestir o falecido, que dependendo da cor simboliza Nossa Senhora, ou algum Santo. Aqui no Ceará ainda é muito utilizada. Então no começo, quando chegava em casa depois do trabalho, eu cortava os tecidos e costurava as mortalhas.
E a minha filha pequena, Raquel, tinha três aninhos estava sempre junto comigo. E uma vez fizemos uma viagem para o sítio e ela chegou em uma amiguinha de lá e disse: “vamos brincar de cortar mortalha?”(risos). A mãe da menina ficou assustada e até hoje lembramos deste momento engraçado da nossa vida de trabalho em funerária.
Matéria publicada originalmente na edição 03 da revista Funerária em Foco, em julho de 2014.