Uma das dúvidas mais frequentes das empresas administradoras de planos de assistência funerária, refere-se à fiscalização. Quem fiscalizará e aplicará punições às empresas?
Na Lei Federal 13.261, dois artigos tratam especificamente sobre punições por descumprimento da lei, no entanto não existe nenhuma especificação sobre quem realizará a fiscalização das normas contidas na legislação e nem sobre quem tem competência para aplicar tais sanções.
O primeiro artigo da lei que trata de aplicação de punições é o art. 6º, o qual traz a seguinte redação: “Art. 6º – As empresas comercializadoras de planos de assistência funerária que não observarem as exigências a que se referem os incisos I e II do art. 3º e os incisos I e II do art. 4o terão suas atividades suspensas até o cumprimento integral dessas exigências, excetuadas as atividades obrigatórias e imprescindíveis para o cumprimento dos contratos já firmados”.
Nos incisos I e II do art. 3º a norma exige que as empresas, para comercializar contratos de planos de assistência funerária “mantenham um patrimônio líquido de 12% (doze por cento) da receita líquida anual obtida ou prevista com a comercialização dos planos de assistência funerária no exercício anterior e que possuam capital social mínimo de 5% (cinco por cento) do total da receita anual”.
Nos incisos I e II do art. 4º a lei exige que as empresas, após atenderem as condições previstas no art. 3º, que as qualifica como empresas autorizadas a comercializar planos de assistência funerária, para que consigam manter tal autorização, necessitarão “comprovar que possuem reserva de solvência com bens ativos ou imobilizados de, no mínimo, 10% (dez por cento) do total do faturamento obtido ou previsto com a comercialização dos planos contratados nos últimos 12 (doze) meses e também submeter os balanços anuais da empresa a auditoria contábil independente, a ser realizada por empresa de contabilidade ou auditores devidamente registrados no conselho profissional competente”.
Quando a lei fala que as atividades serão suspensas, exceto atividades obrigatórias e imprescindíveis para o cumprimento dos contratos já firmados, ela quer dizer que o que será suspenso é a comercialização de novos contratos. Os contratos já firmados deverão ser cumpridos, pois o consumidor não pode ser prejudicado pela incapacidade da empresa de atender os requisitos exigidos na lei. Portanto, as atividades necessárias para atender os contratos já firmados deverão ser mantidas, mas a comercialização de novos contratos estará vedada às empresas que sofrerem a penalização prevista no art. 6º.
Além do art. 6º, a Lei Federal 13.261 possui também sanções previstas no art. 10: “As empresas administradoras de planos de assistência funerária que descumprirem as exigências desta Lei estarão sujeitas às seguintes sanções: I – advertência escrita e fixação de prazos para o seu cumprimento; II – multa, fixada em regulamento; III – suspensão da atividade até o cumprimento das exigências legais; IV – interdição do estabelecimento, em caso de reincidência”.
A diferença entre as penalidades previstas no art. 6º e no art. 10 é sua abrangência. As penalidades previstas no art. 6º se limitam exclusivamente ao não atendimento das exigências dos incisos I e II do art. 3º e I e II do art. 4º, e as penalidades previstas no art. 10, referem-se ao descumprimento de qualquer das exigências da lei.
Vamos a um exemplo prático
Um contrato de plano de assistência funerária possui como objeto os serviços de assistência funerária e atendimento psicológico. Esta situação infringe a exigência do caput do art. 3º, que prevê que “somente serão autorizadas a comercializar planos de assistência funerária as empresas que o façam mediante contrato escrito e que tenham por objeto exclusivo a prestação de serviços de assistência funerária”.
Na situação exemplificada o contrato possui outro objeto além do de serviços de assistência funerária, o de atendimento psicológico. Tal situação se trata de uma infração legal e a punição da empresa se dará através de uma das sanções previstas no art. 10. Mas agora vem o “X” da questão. Quem fará a fiscalização do atendimento das exigências da Lei Federal 13.261 e quem aplicará as sansões ou punições?
Ao analisarmos os artigos da Lei Federal que foram vetados, temos o art. 9º. Neste dispositivo a competência para a fiscalização seria dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). O art. 105 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor estabelece que “integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor”.
Um dos órgãos do SNDC que poderia fiscalizar as empresas administradoras de planos de assistência funerária, por exemplo, seria o PROCON. O art. 9º trazia exatamente quem faria a fiscalização das empresas e também conferia a elas a competência, conforme previsto no §1º do art. 9º, para expedir “regulamentos de fiscalização e definir os procedimentos a serem seguidos, podendo inclusive fixar o valor das multas pelo descumprimento das disposições legais a que estejam obrigadas as administradoras de planos de assistência funerária”.
No entanto, como dito, o art. 9º foi integralmente vetado e a fiscalização e aplicação de penalidades se transformou numa incógnita. Mas antes de enfrentarmos a situação dessa incógnita, é importante entendermos o motivo do veto do art. 9º. As razões apresentadas pelo legislador como justificativas para o veto do art. 9º e também do art. 11, que não abordamos neste texto, são as seguintes:
“Os dispositivos caracterizariam a contratação de plano de assistência funerária unicamente como relação de consumo. Assim, poderiam levar à interpretação equivocada de que eventual operação de seguro privado realizada no âmbito do Projeto de Lei estaria fora do alcance regulamentar do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e fiscalizador da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), nos termos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. Além disso, mesmo com o veto, seguem asseguradas todas as garantias previstas para os casos de relações de consumo, caracterizadas pela Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.”
Pelo que se vê o intuito do veto foi de resguardar também ao CNSP e à SUSEP a possibilidade destes órgãos regularem e fiscalizarem situações e empresas administradoras de planos de assistência funerária que possam vir a atuar, em desconformidade não apenas com as atividades previstas na Lei Federal que regulamenta os planos de assistência funerária, mas também com as atividades reguladas por aqueles órgãos, uma vez que, antes da regulamentação da comercialização dos planos e também da atividade das administradoras de planos de assistência funerária com a prestação de serviços funerários, existia confusão por parte de algumas empresas, quanto ao produto e serviços comercializados, assim como às atividades destas empresas, as quais se assemelhavam às atividades e produtos/serviços regulados pelo CNSP e fiscalizados pela SUSEP.
No entanto, apesar da boa intenção do legislador, foi criada a já citada, incógnita, quanto a quem possui competência para fiscalizar e aplicar sanções às empresas administradoras de planos de assistência funerária. Com o veto, abre-se um leque de possibilidades tanto de órgãos e entidades fiscalizadoras, quanto também de discussões judiciais. Isso porque, uma vez que inexiste legislação específica definindo o órgão ou entidade fiscalizadora, os demais que podem de alguma forma assumir um papel fiscalizador não podem ultrapassar suas próprias competências e limites.
Quem seriam, hipoteticamente, os possíveis fiscais das administradoras de planos de assistência funerária?
a. PROCOM – possui competência limitada à defesa dos direitos dos consumidores. Situações estranhas à defesa dos consumidores fogem à competência do PROCOM. Um exemplo disso seria a infração à previsão do art. 7º, que trata da forma de contabilização do faturamento das receitas obtidas com a comercialização dos planos de assistência funerária. Esse é um tema que não compete de forma específica ao PROCOM e mesmo que este órgão venha apresentar apontamentos sobre esse tema, uma discussão judicial sobre sua competência pode ocorrer;
b. Município – quando tratamos de atividades tão ligadas e próximas como os serviços de assistência funerária e os serviços de prestação de serviços funerários, é inevitável a interferência do município. Mas a competência dele na atividade dos planos de assistência funerária possui duas limitações, quais sejam: a interferência da atividade de assistência funerária na atividade de prestação de serviço funerário de forma irregular; e a tributação sobre a atividade. O município não poderá, assim como o PROCOM, fiscalizar todo o rol de assuntos e exigências da lei federal. Ele deverá limitar-se à sua competência.
c. Ministério Público – devido a sua extensa abrangência de atuação, pode realizar fiscalização sobre todas as exigências da Lei Federal, no entanto, não pode aplicar todas as penalidades previstas na Lei, sendo que as situações por ele apuradas devem ser levadas ao Poder Judiciário para a aplicação de sansões;
d. Entidades de Classe Empresarial (Sindicatos e Associações) – podem atuar como auxiliares na fiscalização das empresas que atuam no mercado, no entanto não poderão aplicar as sanções previstas na lei. Nada as impedem de aplicar sansões próprias a seus sindicalizados ou associados, baseados em seus estatutos e normas internas;
e. SUSEP – poderá auxiliar na fiscalização, limitado a sua área de atuação. Somente poderá aplicar sansões a empresas que infrinjam as regras da atividade securitária, sendo-lhe vedado a aplicação das sansões previstas na Lei Federal 13.261.
Estes são apenas alguns dos órgãos e entidades que podem realizar fiscalizações à atividade e contratos de planos de assistência funerária, sendo possível que este rol se estenda, uma vez que a inexistência de uma previsão objetiva sobre a pessoa competente para fiscalizar e aplicar sanções não existe. É possível que, através de uma norma regulamentadora, seja definido a entidade ou órgão que realizará a fiscalização dos planos de assistência funerária, assim como os parâmetros e regras para a aplicação das sanções, no entanto, atualmente essa norma não existe.
A falta de definição quanto a fiscalização e a aplicação de sanções não autoriza as empresas a infringirem as normas, pois, por exemplo, uma fiscalização do Ministério Público ou do PROCOM, amparados por uma decisão judicial, pode suspender as atividades de uma empresa. A fiscalização da SUSEP pode culminar em multas milionárias. A fiscalização do município pode promover a cassação de um alvará e assim por diante.
Portanto, é obrigação de toda empresa administradora de planos de assistência funerária a lisura de sua atuação no mercado, a obediência não apenas à Lei Federal 13.261, mas também ao Código de proteção e Defesa do Consumidor e demais legislações correlatas. A fiscalização é indefinida, mas existe e certamente ocorrerá e as empresas que não obedecerem as normas que regulam a comercialização dos planos de assistência funerária certamente sofrerão as sansões previstas.
Artigo do Dr. Anderson Adão, originalmente publicado na
edição 12 da Revista Funerária em Foco.