O Luto sob o Ponto de Vista da Inteligência Artificial – Por Solange Wiegand | Psicóloga

“O homem é determinado pela consciência objetiva de sua imortalidade e por uma subjetividade que busca a imortalidade”
Maria Júlia Kovács

Desde o momento em que nascemos, até o nosso último instante de vida, necessitamos de cuidados, sejam eles físicos, psicológicos ou espirituais. Deste modo, para que isso seja possível, forma-se uma rede de apego com amigos, familiares e/ou cuidadores.

O luto ocorre quando esse suporte é rompido, gerando sofrimento e insegurança para muitas pessoas, pela sua perda, real ou simbólica. Assim sendo, o enlutado torna-se mais vulnerável ainda, muitas vezes colocando em risco a sua saúde mental. Novas tecnologias surgiram, no sentido de trazer lembranças sobre o ente querido que já partiu. A Inteligência Artificial (IA) é uma delas. 

Nesse sentido, faço alusão ao evento “Amazon re: MARS 2022”, que aconteceu em Las Vegas, Nevada (EUA), no período de 21 a 24 de junho de 2022, onde foi apresentado um novo modelo da ALEXA, ainda em fase de testes, não disponível por enquanto no Brasil, que reproduz a voz humana recriada através da IA, dos que já não estão mais aqui.

Importante citar a fala de Rohit Prasad, cientista-chefe da Amazon, que apresentou o painel da Alexa: “Uma das coisas que mais me impressiona na Alexa é a relação de companheirismo que temos com ela. Neste papel de companheirismo, atributos humanos de empatia e afeto são a nossa chave para construir confiança. Esses atributos se tornaram ainda mais importantes nestes tempos de pandemia, em que tantos de nós perdemos alguém que amamos”.

Assim, este recurso poderia ajudar a matar a saudade dos que já se foram, fazendo com que a memória afetiva seja prolongada. Também pode-se citar o caso de Roman Mazurenko, 34 anos, que entrou em óbito após ser atropelado por um carro, em 2015, em Moscou, na Russia, e que se comunica com seus amigos através da IA. Eles se inspiraram nele e criaram um bot, um robô virtual, que executa tarefas pré-definidas, entre elas, conversar, por exemplo. Para que esse objetivo fosse cumprido, foram utilizadas mensagens da época em que Roman ainda estava vivo. Assim, o autômato repete algumas mensagens e cria outras, tendo como base o modo como o jovem escrevia.

Encontro virtual de Jang Ji-sung e sua filha Nayeon.

Seu amigo Dima Pyanov, conta que “A primeira vez que falei com o bot, comecei a conversar com o Roman e ele começou a responder, eu caí no choro”. Ainda, Eugenia Kuyda, co-fundadora e CEO da empresa de softwares Replika, amiga de Roman e criadora do bot, comenta: “Ele nos deu tanto… Como podemos ser tão ingratos a ponto de só enterrá-lo e tentar esquecer o mais rápido possível?”.

O grupo de amigos foi criticado, porém, colocaram em prática os desejos expressos em vida por Roman, entre eles, abordar o tema do tabu da morte e do luto. 

Finalizo com o caso de Jang Ji-sung, onde a sul-coreana teve a oportunidade de se “reencontrar”, através da IA, com a sua filha Nayeon, que faleceu em 2016 devido a uma doença sanguínea. A realidade virtual promoveu a interação visual, bem como, a possibilidade de conversar e brincar com a criança.

Face ao exposto acima, percebe-se que a imortalidade continua a ser um tema instigante e deixo as reflexões: Com a ajuda da IA, conseguimos ficar mais próximos da imortalidade, através da manutenção das memórias dos nossos entes queridos? Até que ponto essa vivência virtual pode ajudar ou prejudicar na elaboração do luto pela perda sofrida?

Publicado originalmente na Revista Funerária em Foco, edição 21

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